• Porque escrever é um vício.



    Então o Dia da Criança passou e eu não esqueci - só ignorei.

    Tratei de comportar-me como a mulher que sou, deixando a criança que fui lá, muito além das memórias. Lembrar dela pode doer demais e já me basta de dores.

    De toda forma, não pude deixar de chorar um pouco...



    Faz uns dois anos, pintei para minha sobrinha um quadro: a imagem de um palhaço. Ela sempre teve medo de seres mascarados e achei que uma pintura pudesse amenizar a angústia que ela sente ao ver essas criaturas - um sentimento que ninguém jamais vai compreender. Lembro dela quando o viu, ali, na tela, retratado: olhou pra mim e sorriu. Estava quebrada a barreira inicial - e, suspeito, ela leu-me naquela imagem.

    Na última vez que vi meu irmão - que foi no meu aniversário -, ele disse que ia trazer o quadro de volta: acha que devo corrigi-lo. É que do lado esquerdo da face rosada daquele palhaço, uma cálida lágrima escorre. Ele não gosta daquilo. Acha que um palhaço tem que ser feliz - a lágrima, portanto, está fora de contexto. Ok. Tratarei de tirá-la, que isso não me aborrece.

    Que se pode fazer com seres tão objetivos e práticos, incapazes de enxergar através das entrelinhas?

    Mas não o culpo. Ele cresceu muito rápido - nós três crescemos rápido demais. Mas ele, especialmente, tornou-se um homem para quem sonhar é coisa de quem não tem o que fazer: dinheiro é o que interessa e importa. Trabalha tantas horas por dia que é impossível falar-lhe: está sempre sem tempo. Tenho esperança, entretanto, que apesar de ser um excelente pai, meus sobrinhos não captem dele apenas esses valores - que, afinal, a gente sabe que não valem nada...



    Fiquei pensando sobre a velhice.

    Pensei que meu pai, que se foi dessa vida muito jovem na minha concepção, jamais suspeitou morrer tão cedo: tinha certeza que teria anos fartos. Entretanto, a despeito de sua crença, sua vida foi abreviada: ele não envelheceu. Sorrateira, a morte chegou, instalou-se ao pé de sua cama e não arredou dali enquanto não o carregou junto. É assim que as coisas são.

    Esses dias, andei vasculhando a mente sobre o assunto. Na juventude - por conta de nossas apaixonadas reações -, não é raro darmos a vida por encerrada. Nos desvios de caminhos que trilhamos, vez ou outra achamos que tudo está perdido, acabado, não temos mais chances. Logo descobrimos que isso era um engano e agradecemos pelo mundo não ter sucumbido ao nosso devaneio daquele momento louco.

    Mas deve chegar um tempo em que esse desejo de fim se torne literal e real. Um tempo onde tudo é enfado e nada mais será novidade. Tudo que há debaixo do céu já terá sido visto e conhecido: nada mais será surpresa, nada mais terá novo sentido, todos os cenários uma eterna repetição.

    Um cansaço deve tomar as pessoas na idade avançada. Um cansaço que só deve descansar nos braços da eternidade...



    Perdoem o espírito sombrio dessa madrugada de brisa fresca e céu estrelado... É só que andei pensando demais por esses dias...


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