• Porque escrever é um vício.

    Às vezes, eu me sinto moradora de uma casa de cartas de baralho sob um telhado de vidro onde há reflexos que refletem o que não existe... Às vezes, julgo que estou sendo mordida por uma cobra morta e sinto o corpo arder, inchar, ir-se no delírio de um segundo antes de amortecer... Às vezes, tenho saudades de alguém que nem sei quem é e fico tentando divisar uma imagem que não tem expressão em cada lugar por onde passo. Sondo as flores, toco as brisas, encanto-me com as abstrações. Às vezes, tenho a impressão de que alguém tem saudades de mim...

    Tem dias que mudam nossas vidas... Tem dias que enganam: prometem um desastre e terminam bem - ou vice versa. Tem dias em que é insuportável viver...

    Debato-me, perco-me entre a lógica e a ilusão: uma mente que desconhece o sossego...

    Descubro que há pessoas para quem se precisa dizer pouca coisa; outras, com quem se pode ficar sempre em silêncio. E outras para quem por mais que se fale é quase impossível se fazer entender...

    Sei que há desejos que são fáceis de realizar e outros que abandonamos na estrada, deixamos à beira do caminho porque começam a figurar-se difíceis, sem sentido demais. Há desejos que nunca são realizados e vivem ao nosso encalço: esses, por vezes, roubam a alegria...

    Há sorrisos... Observo sorrisos que são a pura diversão e tornam o semblante juvenil, criança; outros, camuflam a ironia, a maldade, o desprezo, a mentira. Observo sorrisos que retratam a amargura e, não raro, percebo que na incapacidade de revelar sua mágoa, são a maneira mais exótica e bonita de ser triste...

    Vivo noites em que uma leveza salta sobre meu espírito e leva-me aos delírios do sonho; outras, que me fazem descer ao abismo da insônia, mordaz, escuro labirinto de onde não consigo sair. Há noites que são bem comuns e posso descansar na tranqüilidade ausente de qualquer disposição afetiva...

    Gosto das chuvas. Há chuvas que caem macias sobre nossa pele e brincam marota com nossa lembrança devolvendo-nos à infância; há garoas que levemente nos umedecem e só vêm para refrescar o calor. Mas há tempestades que arrasam tudo ao redor feito um vulcão em erupção: essas, revelam a ira dos céus...

    Aprendo: há sentimentos que chegam como madrugada calada, sorrateiros, repentinos, para iluminar nossos olhos, brilhar nosso riso e durar tanto quanto dura uma cascata de fogos de artifícios; outros, chegam mansamente, devagar, um dia após o outro e se instalam para ficar. Mas há sentimentos que oscilam entre a calmaria e a destruição e chegam apenas para semear a dor...

    Leio muito e descobri: há livros que contam lendas que penetram em nossos poros e nos faz participantes de algo que não nos pertence; há livros que não nos atingem por mais belas que sejam suas palavras, por mais sabedoria que encerrem, por mais ilustres que seus autores possam ser. Mas há livros que contam nossas próprias histórias, onde podemos ler nosso próprio destino, espelho que nos olha diretamente nos olhos e nos faz olhar para a verdade que desejamos esquecer...

    Conheço as lágrimas... Há lágrimas que simplesmente correm pelas faces sem causa aparente, insondável motivo, terrivelmente inúteis; outras, são a verdadeira expressão do que transpassa no interior. Mas há lagrimas que ficam contidas na alma, engasgadas, presas na garganta e na incompreensão de si mesmas...

    Já estive à mercê dos medos... Há medos infundados, temores imaginários sem qualquer razão de ser; há medos reais, inquietações que nos deixam despertos, ansiosos, eternamente alertas. Mas há medos cravados em nós, eras que cavalgamos num passado remoto, tempo que a memória apagou e a intuição insiste em lembrar...

    Há mistérios, pensamentos, músicas, escritos, segredos, ecos... Vozes que o universo sussurra, semente que os ventos depositam na sensibilidade humana. Há vida por detrás da vida, antes e depois dela.

    Na excitação inocente que feito sombra nos persegue, há o vazio oco das coisas que são, das que não são, das que podem vir a ser...

    Há o Amor...




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