• Porque escrever é um vício.

    Ela, indignada com o descaso que ganha outra cara quando a tragédia se dá nos altos escalões, escreveu que o Brasil não é um país sério.

    Isso me fez lembrar de um amigo que tem uma visão bem global sobre o assunto. Meu marido (que tem blog mas não escreve), retratou recentemente, para a Ponte, um apanhado das idéias desse 'filósofo português'. Não deixa de ser engraçado, apesar de ser triste saber que é assim que olham para nós...



    "Tenho um sócio português que, embora da terrinha, é uma pessoa brilhante e que foi, em priscas eras, professor universitário em Angola, Moçambique e Lisboa. Um belo dia, encheu o saco desta porra e veio para este País tropical, abençoado por Deus. Cá está há mais de 15 anos, cidadão brasileiro, com filhos e raízes por aqui. Ele desenvolveu uma teoria deliciosa sobre o Brasil que tento, embora sem seu brilhantismo, passar para vocês:



    Segundo ele, o Brasil é um País VIRTUAL. Nada aqui é o que parece ser. Nada funciona, porque foi feito para não funcionar mesmo, e se funcionar, causará tamanha confusão, que não saberemos o que fazer com a coisa funcionando.

    As pessoas te prometem coisas que jamais cumprirão, serviços que jamais serão realizados, visitas que nunca vão ocorrer. De nossa parte, fazemos que aceitamos estas promessas e desejos, mas já sabendo que nada ocorrerá e tocamos nossas vidas felizes...

    Há uma desordem institucional, um caos social institucionalizado que permite que as coisas andem... E assim as coisas são.

    Vejamos a política. Todos sabemos que nossos políticos são uns interesseiros, oportunistas, ladrões (maioria). Nada é feito contra eles e nas eleições seguintes, eles se elegem ou re-elegem porque nunca esperamos nada deles mesmo. Jader Barbalho renuncia ao mandato soterrado por denúncias de corrupção. Alegria geral por este ato moralizador. Mas seus suplentes são seu pai e seu assessor, ambos igualmente chafurdados na lama corruptiva. Todos fazem de conta que a justiça foi feita, que a dignidade do Senado foi restabelecida e as coisas continuam andando. E Jader já é candidato ao Governo do Pará ou mesmo ao Senado no ano que vem. E provavelmente será eleito... Idem para o ACM...

    Criticamos o poder do Estado na economia e pregamos a desestatização das empresas do Governo. Moderníssimo. Vendemos Vale do Rio Doce, Eletrobras, etc., enfim, o filet-mignon do que temos para que o Governo faça caixa para gastar no social. Milhares de bilhões. Nada acontece, o dinheiro some, ninguém sabe, ninguém viu... As empresas continuam a dar lucro - até mais lucro -, o dinheiro desaparece no ralo sombrio dos orçamentos e o povo continua na merda...

    FHC nos encanta com sua cultura requintada e seus discursos maravilhosos em Paris. Fazemos de conta que temos um presidente estadista, que é mundialmente reconhecido por seu saber e não um barbudo metalúrgico estúpido que mal sabe falar... Só que FHC governa um Brasil que ele imagina, também irreal, diferente daquele que vemos nas ruas, nas filas de desemprego, nos INAMPS, no Vale do Jequitinhonha, no agreste. De nossa parte, não esperamos dele mais do que isso porque já sabíamos que ele não iria resolver estes problemas que chamamos de estruturais e de solução a longo prazo. Acreditamos nisso e tocamos em frente.

    Na polícia a coisa continua. Ela não está lá para te proteger, mas para te tomar grana quando e se você precisar dela. Já pagamos um baixo salário ao policial porque sabemos que ele vai nos achacar mesmo e complementar sua renda. Ele, por sua vez, faz de conta que faz seu serviço, mas não leva a sério porque sabe que quando prender um bandido, este sairá da cadeia antes mesmo de ele ter terminado seu relatório.

    O bandido, por sua vez, não teme nem a polícia nem a justiça porque sabe que existem mecanismos que criamos para impedir que ele vá preso e por lá permaneça por longos anos. Quando algo errado acontece - como por exemplo, ele ser condenado -, existe então a rede de proteção do suborno aos juízes ou a da fuga.

    De nossa parte, tememos a polícia e os bandidos, embora continuemos a comprar carros importados, jóias e Rolex de ouro, ou na periferia e nos grotões, tenis NIKES vistosos (em 6 pagamentos) para serem roubados...

    Aí chegamos ao consumo. As lojas vendem em até 12 pagamentos sem juros e recebem cheques que sabem que nunca serão compensados. Atolam os consumidores - ajudados pela propaganda -, em dívidas, na ânsia de vender e ter dinheiro virtual nos caixas.

    De nossa parte, compramos coisas inúteis aos montes, enchemos nossas casas de tranqueiras, trocamos de carro todos os anos para pagar em 48 meses e já na 2ª ou 3ª prestação, começamos a atrasar.

    Usamos softwares sofisticados para organizar nossos cheques pré-datados emitidos, embora saibamos que, cedo ou tarde, eles voltarão inevitavelmente sem fundos...

    Mas também o calote é virtual. Recebemos inúmeras cartas nos dizendo que fomos para o SPC e o cacete, e esperamos um tempo, a dívida prescreve, renegociamos por 1/3 do valor e voltamos a comprar...

    Nossas Leis são feitas pelos Deputados (que como sabemos não prestam), aplicadas pelos Juízes (que ganham mal e tem pouquíssimo tempo para ler um processo) e no momento em que são editadas, todos os advogados deste país se reúnem para verificar quais as brechas existentes para que ele possa ser burlada.

    Nossas escolas ensinam mal e errado porque nossos professores também ganham mal e a maioria também não sabe nada, mas nada esperamos, porque, de nossa parte, também não sabemos o que fazer para mudar isso e preferimos terceirizar a educação que nós mesmos deveríamos dar a nossos filhos.

    Enfim, a virtualidade impera em todos os cantos e extender este papo só mesmo em mesa de boteco onde, aí sim, forma-se o verdadeiro e autêntico foro de discussão das nossas grandes questões nacionais...

    Como tudo que é virtual, o Brasil não existe...

    Nós fazemos de conta que existe porque precisamos de referências mas, no fundo, no fundo, olhamos de vez em quando no mapa para ver se ainda temos pelo menos uma terra assinalada no hemisfério sul.



    E la nave va..."





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